Eu nasci em 1990 e, como todas as outras pessoas da minha idade, cresci com Ana Malhoa. O Buereré foi o início de uma nova era do entretenimento infantil em Portugal, e eu estava lá para viver isso. E, quando cresci, a Ana cresceu também. A cantora Ana – distinta da apresentadora Ana – é mistress de uma aura latina, de sexualidade assumida, em que o universo pimba é transformado para melhor transmitir a mensagem de female empowerment.
No panorama nacional, a Ana é associada ao género pimba. Para lá do universo visual, existe pouca ou nenhuma relação entre os dois. Os temas nas canções da Ana são de sexualidade feminina e controlada pela mulher, enquanto no universo pimba estes temas são sempre vistos do ponto de vista do homem. E, de facto, é isto que torna a Ana tão especial. Conscientemente ou não, a Ana consegue chegar ao público feminino (ou qualquer público de sexualidade não dominante – leia-se LGBT) e evidenciar o poder do indivíduo na expressão dessa mesma sexualidade.
Ana Malhoa consegue tocar uma imensidão de camadas demográficas pelas nuances com que aborda a sua música. Para o público gay, a Ana representa essa sexualidade que não precisa de permissão, com um corpo que não obedece a normas sociais, e uma postura que se baseia num sentido muito hedonista de divertimento imediato. Uma vez ouvi a Bomba Latina numa discoteca gay numa aldeia do centro do país, e percebi o quão poderosa essa canção é. Finalmente tudo fez sentido: Ana Malhoa é uma artista, não é elitista.
João é designer de comunicação e vive em Londres. Gosta de Britney Spears e detesta Christina Aguilera. Fica feliz sempre que tem a oportunidade de explicar RuPaul’s Drag Race em contextos inusitados.
Ilustração de André Murraças.