“Pata pata is the name of the dance”. José Castelo Branco o nome do homem. E é assim que se define. Não chega?
Assumindo uma identidade diametralmente distante do binarismo de género, contestando as fronteiras geometricamente demarcadas, delimitadas, do que é “isto” de ser homem, e da transgressão daquilo que para mim – um miúdo suburbano com oito ou nove anos – foi construído para parecer essencialista e incontestável: José Castelo Branco foi, sem dúvida, uma das primeiras peças do meu puzzle referencial.
A sua visibilidade foi fundamental (como figura que povoava e povoa a reality TV e o imaginário dos muitos que a assistiam, pouco familiarizados à excentricidade e à subversão na televisão portuguesa) para mostrar a multiplicidade de arranjos identitários – à primeira vista repulsivos, confusos, não concordantes; para ser o epicentro de um dos primeiros terramotos ao meu entendimento do real, de como se pode projectar o corpo e o desejo de formas diferentes a que estava habituado, mas que percebo agora terem ajudado a fervilhar a vontade de os viver e experimentar; de como sobreviver às lógicas de gozo e chacota sem esmorecer ou diminuir (a primeira vez que ouvi a palavra bicha ser invertida do seu sentido negativo e contribuir para uma postura algo politizada de autodeterminação foi dele) de uma sociedade excessivamente vigilante do não-normativo; de como a personalidade deve ser mostrada em todas as suas possibilidades, rompendo todas as barreiras do preconceito e os quadros de conflito.
Nasceu dali um admirável mundo novo, que permitiu ampliar os códigos do meu universo, expandindo-se cada vez mais pela imersão na cultura pop, pelos desenhos animados que hegemonizavam a feminilidade, pelos contextos e pessoas que me celebraram a vida inteira – o big bang existencial do miúdo que corria pela casa com os sapatos altos da mãe, que adorava o sabor sintético a cereja do batom e o contraste de cor dos lábios pintados de vermelho, às escondidas para não estragar nada do que estava na grande caixa de pintura da minha mãe; daquele adolescente que reivindicou a sua individualidade como sendo apenas sua –, traduzindo-se num ponto de passagem mais tranquilo, para mim e para outros, numa descoberta serena da minha identidade queer.
Tive a sorte de existir primeiro e pensar-me depois. Para quem não a tem, para quem a sociedade imprime constantemente espartilhos e constrangimentos, gritem como o José: “leave me alone, sua estúpida!”.
Acreditem, sabe mesmo muito bem.
Gonçalo Cota estudou Sociologia, mora em Lisboa e é redactor na Máquina de Escrever. No Inverno espera que o Verão chegue, no Verão espera que o Inverno chegue (enquanto come figos e ouve Björk).
Ilustração de André Murraças.